A operação de gravar vidro, à roda,
caracteriza-se pelo desgaste da superfície do vidro por acção de discos (rodas)
de aço, cobre ou diamante num engenho muito semelhante ao usado na lapidação.
Os discos são de dimensões
reduzidas, tendo apenas alguns milímetros de diâmetro e uma espessura muito
fina.
Para motivos complexos, o gravador,
com o disco em movimento, segue os traços do desenho previamente feito na peça.
Para os motivos mais simples ou inscrições de texto, o gravador orienta-se por
um desenho colocado a seu lado ou cria motivos próprios, fruto da sua
imaginação e habilidade.
Justino Marques de Magalhães,
gravador na extinta Fábrica-Escola Irmãos Stephens, era considerado como um dos
maiores gravadores de vidro, à roda, a nível mundial.
«Nasceu na Marinha Grande, no dia 17
de Dezembro de 1906, filho de Conceição do Rosário Marques e de António Neto de
Magalhães.
Descendente de uma família de
artistas vidreiros, oriundos da Vista Alegre, Justino Magalhães foi um dos
maiores gravadores à roda (florista) que passou pela indústria vidreira.
Artista multifacetado e de rara sensibilidade artística, alguém um dia, com
rara propriedade, o apodou de Príncipe da indústria vidreira.
A sua maneira de encarar a vida, o
trato com os colegas de trabalho e com os amigos, granjearam-lhe uma auréola de
admiração e respeito. Homem do mundo, com uma filosofia muito pessoal e um
toque saboroso de boémio, foi uma figura marcante para uma geração de artistas
vidreiros e dele não se esquecerá facilmente o chiste, a pilhéria, os conceitos
que fazia da sociedade e a maneira “desenrascada” e desinibida como saía das
situações menos agradáveis.
Sem escola e sem bases de cultura
artística, sem fontes de pesquisa, entregue a si próprio (aliás como acontecia,
infelizmente, à grande maioria dos artistas vidreiros) valia-se do seu dom
natural para realizar obras que ainda hoje são consideradas de rara beleza,
jóias na arte da gravura à roda, profissão das mais nobres que há na indústria
vidreira e que infelizmente se está a perder por falta de escola (cabe à
Fábrica-Escola Irmãos Stephens olhar para essa lacuna, criando o ensino dessa
linda arte).
Foi seu mestre o grande artista João
de Magalhães, que o considerou “o maior de entre os maiores artistas na
gravação de vidros”.
Justino de Magalhães nunca deixou de
reproduzir obras que lhe apareciam e que eram consideradas irrealizáveis. O
antigo administrador da Fábrica Nacional, Doutor Calazans Duarte, dizia da sua
arte: “Um artista excepcional numa das artes mais nobres e apreciadas”.
A sua figura foi imortalizada num
quadro a óleo de Mestre Capucho, que se encontra no Salão Nobre dos Paços do
Concelho.
Também a edilidade marinhense não
esqueceu este grande artista, atribuindo o seu nome a uma rua da Vila.». (1)
No Jornal da Marinha Grande de
26-03-1966, pouco depois do falecimento de Justino de Magalhães, Júlio Duarte
Salvador, poeta marinhense, dedica-lhe um dos seus poemas:
« Silêncio
Cale-se o brado dos
vidreiros que trabalham.
Cale-se o som das
canas que se cruzam.
Silêncio rodas
Silêncio Povo
Silêncio Terra
Silêncio Mar
Silêncio Bosque.
A hora é de luto
A hora é má
- Morreu o artista
que à vida pagou o
seu tributo.
É negro o presente
É negro o futuro
O cristal é negro.
O vidro chora
Já não terá as
carícias
do artista
Chora e já não soa
Como um órgão
maravilhoso
Mas sim, como um sino
Que toca o silêncio…»
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1 - In: “Cidade da
Marinha Grande – Subsídios para a sua História” – João Rosa Azambuja
Justino de Magalhães –
gravador à roda no trabalho
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