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O alto-forno de Pedreanes em 1872 – Uma desgraça senhores

            Já em “O alto-forno de Pedreanes” deixei algumas breves noções acerca da instalação do alto-forno de Pedreanes no século XIX. A importância industrial deste lugar, que muito tinha a ver com a sua localização, levou a que, em meados do século, por iniciativa de entidades privadas, ali fosse instalado um alto-forno, nascendo assim um grande projecto siderúrgico a escassos metros do Pinhal Real. Inicialmente com expectativas muito elevadas acerca do seu desempenho, este projecto viria em poucos anos a revelar-se ruinoso, trabalhando, ainda assim, até cerca de 1885, embora com alguns períodos de paragem e reestruturação.
          Em 1872, Eduardo Coelho, tipógrafo, escritor e jornalista português, fundador do periódico "Diário de Notícias", visitou a Marinha Grande, deixando-nos o relato dessa visita, conjuntamente com outros que fez por outros tantos lugares por esse Portugal fora, imortalizado no seu “Passeios na Província”.
          De entre os vários relatos que Eduardo Coelho faz dos locais por onde passou na Marinha Grande, há uma breve referência ao alto-forno de Pedreanes, e, embora, historicamente, não nos traga nada de novo, apenas que naquela data a fábrica estava parada, achei que o devia transcrever.
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 “Visitámos o alto forno de Pedreannes, inaugurado em 6 de março de 1866. Era ao descair da tarde. Aquellas soberbas officinas estavam desertas. Não fumegava o forno; não boliam os apparelhos; nenhum operário exercia a sua actividade; o minério de ferro jazia ali abandonado, oxidando-se rapidamente ao contacto das chuvas; as grandes machinas começavam a enferrujar-se, esperando em vão que o vapor lhes transmitisse o movimento; pareciam derruir-se os telheiros; estavam montões de libras a consumirem-se alli. Há seis anos saudávamos com enthusiasmo este primeiro início da fabricação do ferro no paiz; hoje miramos com tristeza e dôr as respeitáveis ruinas de uma empresa generosa, digna de melhor sorte, e victima de cruas illusões e enganos. Sentado sobre um morro de pedra, de olhar fixo no solo, e passando a mão rugosa pelas compridas barbas grisalhas e alouradas, estava um velho operário inglez, o guarda e companheiro da fábrica moribunda. Dominava-o a nostalgia do trabalho. Os que sabem o que é o hábito do trabalho imaginem aquella dôr. Elle, filho da pátria da indústria, nado e creado no tumultuar das immensas laborações, embalado, adormecido, e acordado ao motim das rodas das machinas, entre as baforadas do vapor, e os turbilhões do fumo, e a agitação de milhares de operários, ver-se agora alli sozinho, inerte, mudo, sem sentir o movimento, o ruído, o calor, a vida, sem ver girarem ou correrem as rodas, os carros, os homens! Não é só a ausência do solo em que se nasceu, do ar que se respirou, da família e dos amigos que nos amavam, o que traz esse invencível sentimento de tristeza chamado nostalgia, que produz tão cruéis alterações na economia phisica; a perda das sensações e encantamentos do lavor a que se estava habituado também origina esse mal. O velho inglez, ao ver-nos, ergueu-se, descobriu-se, e percebendo que lastimávamos a sorte da empresa, encolheu os hombros, lançando um olhar triste ao alto forno, e concluiu em inteligível portuguez: — Uma desgraça, senhores.”

Ilustração representando um alto forno semelhante ao de Pedreanes
In: Tinoco, Alfredo; Custódio, Jorge, Alto Forno de Pedreanes – Marinha Grande, Lisboa: APAI-Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, 1997
(originalmente publicada no livro “Metallurgia”. Biblioteca de Instrução e Educação Profissional, Lisboa, 1905)

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