Em 1941, sobre a dureza do trabalho
a que estavam sujeitos os vidraceiros durante o processo de fabrico manual de vidraça, principalmente durante a execução dos grandes cilindros, o Eng.º Arala Pinto, no segundo volume do seu livro “Pinhal do Rei”, dizia:
“A todos os operários se sobreleva o
oficial vidraceiro, o mais bem pago, como veremos adiante e o mais acusado de
tal crime.
É necessário fazer Justiça a esses
homens, pugnar pela verdade (...).
Só poderá fazer justiça quem alguma
vez, com olhos de ver, tenha assistido ao fabrico da vidraça.
Espectáculo ciclópico para não lhe
chamar infernal. Ambiente abafado, calor insuportável junto dos fornos onde a
massa vítrea funde a temperaturas que vão de 1700 a 2000 graus, vomitando pelas
bocas do forno bafos escaldantes. É neste meio, é nesse palco iluminado de noite,
pelas bocas do forno, que trabalham o oficial de vidraça, o primeiro e segundo
ajudante. A cana (tubo de ferro) pesa 9 quilos e vai ao forno várias vezes,
colhe a massa vítrea até atingir a quantidade precisa para a chapa a fazer,
somando então, cana e massa o peso de 18 quilos, formando um todo único,
manobrado a curtos espaços pelos três operários, que formam a praça, em ritmo
certo, numa cadência sincrónica, porque a pequena demora dum deles prejudica a
obra. A uma garrafa com quási dois metros de comprido e vinte cinco a trinta centímetros
de diâmetro, segue-se outra, e outra, e mais outra, num trabalho exaustivo das
oito às onze horas. Vem então a sopa de bacalhau acompanhada de vinho, um
descanso de meia hora, e mais três horas de labor consecutivo.
Depois hora e meia para o corte dos
fundos e gargalos dessas garrafas monstros, reduzindo-as a cilindros. Segue-se
o corte no sentido longitudinal e a pesagem e está ganho o amargo pão de cada
dia.
Essas seis horas produziram em média
500 quilos de vidraça e fizeram ingerir a cada um desses operários 6 a 10
litros de água, eliminados em grande parte pelo suor expelido por todas as
partes do corpo.
Ao chegar a casa, o operário vem
exausto, o estômago não pede alimento, só a sede o continua a devorar, o
apetite desapareceu.
O operário de vidraça (1) tem como
os outros, oito horas para estar na fábrica. Deste tempo, seis horas, são de
serviço extenuante junto dos fornos, hora e meia para os cortes e pesagem (…), e
meia hora para uma refeição. O seu salário varia com a vidraça produzida.
As campanhas têm a duração de seis a oito
meses. Os restantes dias do ano são destinados à reparação do forno (…).
A vida de oficial de vidraça seduz
pelo salário e pelas férias latas que tem, e alguns há que amealharam,
construíram casa, mudaram de profissão, fizeram-se industriais ou comerciantes.
O reverso, porém, da medalha não é
dos mais atraentes. Os lugares de oficiais da vidraça irão na Marinha Grande ao
número de 25 a 30 e quando se chega a esse posto, a idade já vai nos 30-35-40
anos. Labuta-se mais dez ou quinze anos e faltam as forças, e a vida do oficial
de vidraça raras vezes vai além dos sessenta anos.
A atmosfera em que vivem, a água
bebida em demasia, o sopro, feito por vários operários pela mesma cana, a falta
de apetite durante essas 30 semanas do ano, o trabalho que se inicia tantas
vezes a horas mortas, a mudança de temperatura principalmente no inverno, cedo arruínam
o operário vidreiro.”
“(1) - Em 1940 foi abolido o fabrico
de vidraça na Marinha Grande.”
A Marinha Grande homenageia os antigos Vidraceiros com um monumento da autoria do escultor marinhense Joaquim Correia, colocado na rotunda da Amieirinha (entrada sul da freguesia).
“O Vidraceiro”
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