Depois de no passado mês de Setembro
ter participado numa visita guiada aos fornos da cal e antiga pedreira em
Pataias, pensei fazer uma pequena pesquisa sobre o assunto, escrever algumas
linhas e disso aqui dar conta, transmitindo minimamente alguma informação sobre
o fabrico de cal em Pataias e a importância que teve para a economia local
principalmente a partir de meados do Séc. XIX. Porém, ao encontrar textos bem
elaborados e com abordagens profundas ao assunto, não resisti à tentação de, ao
contrário da minha primeira intenção, aqui fazer apenas a transcrição de um
desses textos.
Trata-se de um texto do investigador
e professor no Instituto Superior da Maia, autor de trabalhos sobre os fornos
da cal de Pataias, António Valério Maduro, que encontrei no Blog “JERO” em: http://jeroalcoa.blogspot.pt/2010/01/m173-fornos-de-cal-de-pataias.html .
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O Conjunto de Fornos
de Cal de Pataias
A indústria artesanal da cal nos
antigos Coutos de Alcobaça concentrava-se na beirada da Serra dos Candeeiros. É
neste espaço que, no século XVIII, encontramos a maioria das referências aos
fornos do Mosteiro.
Por meados do século XIX, a falta de
matos utilizados como combustível na cozedura da pedra, levou ao encerramento
dos fornos de cal parda ou magra da charneca serrana, propiciando a
transferência desta actividade para Pataias.
A colonização do espaço, incentivado
pela plantação de vastas áreas de olival nas faldas desta Serra, ao longo do
século XVIII, conduziu a arroteias extensivas da mata primitiva. Também a vaga
de tomadias populares verificadas nas terras da encosta, durante o século XIX e
a primeira metade do século XX, estacando tanchoeiras entre as penas e fragas,
contribuíram para a supressão do coberto vegetal de carvalhos, carrascos e
medronheiros... De facto, a acção combinada da pastorícia e do corte de matos
para a arte agrícola e combustível condenaram a sobrevivência deste ofício
neste espaço geográfico.
Segundo os registos de contribuição
industrial de 1881, Pataias era o único centro de produção de cal do Concelho,
com treze fornos em funcionamento. Esta localidade possui veios de pedra de
excelente qualidade, matos em abundância nas terras de pinhal, factores que não
só justificam a instalação da indústria, como explicam o seu desenvolvimento ao
longo das primeiras três décadas do século XX. A passagem do caminho-de-ferro
em Pataias, no ano de 1888, e a posterior construção do apeadeiro contribuíram
para a expansão desta actividade. Era este transporte que assegurava o
abastecimento de cal à Siderurgia Nacional, indispensável na produção do aço.
Em 1933 estão arrolados 33 fornos em
actividade. O número de fornos em laboração veio gradualmente diminuir. Em 1942
encontramos 25 fornos, oito anos volvidos apenas 17 mantêm este ofício
tradicional. Já no ano de 1982 só 5 fornos ainda trabalham, chegando o seu
ocaso no ano de 1995, quando o senhor António Grilo coze a última fornada. As
famílias que ao longo de mais de um século tomaram nas suas mãos este ofício
sazonal foram forçadas, paulatinamente, a largar este mester.
Muitas são as explicações para o
abandono desta arte milenar. Em primeiro lugar, o carácter artesanal deste
ofício que pouco ou nada se modernizou. Por outro lado, a falta de mão-de-obra
motivada pela instalação das indústrias cimenteiras, vidreiras e cerâmicas na
região, que permitiram um pleno emprego e estimularam a deslocação de activos
da agricultura para a indústria. A dureza das condições de trabalho (18 horas
seguidas a alimentar o forno com 6 magras horas de descanso num canto do
barracão) não constituía aliciante para os mais novos. As exigências de jornas mais
elevadas vieram a tornar-se verdadeiramente incompatíveis com a capacidade
produtiva e a rentabilidade das fornadas. Por outro lado, as empresas que
adquiriam grandes proporções de cal, passaram a instalar fornos eléctricos
destinados à sua produção.
Com o encerramento dos fornos, a
regular limpeza dos pinhais deixou de ser feita, pelo que o culminar desta
actividade teve um impacto negativo nas culturas florestais e sua exploração
pela mais fácil propagação de fogos.
A tecnologia de produção da cal não
terá conhecido grandes modificações do período romano aos nossos dias.
Estes fornos de estrutura barriloíde
arvoravam as suas paredes com tijolos ligados por um barro areento. O seu topo
aberto apresenta-se ligeiramente estrangulado em relação à base afundada no
terreno. A altura destes fornos situa-se entre os 4,5 m e os 6m, a largura da
base entre os 3,70 m e os 4,60 m e o topo entre 3,15m e 4,10 m. Para resistir à
pressão da cozedura os fornos apresentam-se parcialmente aterrados. Com esta
mesma finalidade a parede é travada por cima do portal com três troncos de
pinheiro.
A laboração destes fornos é de tipo
descontínuo ou intermitente, necessitando de um abastecimento regular de mato à
caldeira até finalizar a cozedura, ao contrário do que sucede nos fornos de
laboração contínua ou permanente em que as camadas de lenha ou carvão alternam
com as camadas de pedra. Como combustível utilizava-se preferencialmente o
mato, daí denominarem estes fornos de fornos “de cal a mato”. Para uma fornada
eram necessários entre 80 a 100 carradas de mato. Com a adaptação aos carros de
bois de eixos de ferro e rodados de camioneta, por volta dos anos 50,
reduziram-se os fretes a 50 ou 60 carradas. Os carros podiam agora vir mais
carregados sem o risco de se atolarem nas areias do pinhal. Com a substituição
da tracção animal pela tracção mecânica, apenas 10 fretes de camioneta eram
suficientes.
A partir da década de 40 recorre-se,
igualmente, ao “motano” (molhos de braça de pinho). Graças ao “motano” os
fornos começaram a laborar durante o Inverno. Cada fornada consumia entre 150 a
200 talhas de “motano”, equivalendo 1 talha a 60 molhos. A temperatura em que
se processava a cozedura da pedra é denominada de rubro cerejo, situando-se
entre os 800º e os 1000º.
O “empedre” do forno consumia
aproximadamente 150 carradas de pedra, extraída pelos cabouqueiros. Os fornos,
por uma questão de economia, localizam-se nas imediações das áreas de
extracção. Cada fornada levava em média três semanas. Uma para enfornar
(levantar o “empedre”), outra para cozer a pedra e outra para a retirar.
Principiava-se pelo “empedre”,
assentando as “armadeiras” sobre o peal que rodeava a caldeira. Quando o
“empedre” atingia a altura do portal as pedras começavam a ser descarregadas
pela abertura superior. Sobre as “armadeiras” (pedras que chegavam a atingir 1
m de comprimento) destinadas a estruturar a abóbada, depositavam-se as
“carregadouras” (pedra miúda). O “capelo”, final do “empedre”, excedia em cerca
de 1,50 m o topo do forno.
No final da cozedura, o “capelo” do
“empedre” baixava cerca de meio-metro em relação ao topo do forno. Como nos
refere o mestre Joaquim Ribeiro bastava olhar para a pedra para saber se ela
estava convenientemente cozida. Era então chegada a altura de desenfornar a
pedra, tarefa árdua dada a temperatura que o forno mantinha. Em média cada
fornada rendia entre 50 a 55 toneladas de cal. Sabemos que antes da utilização
do “motano” como combustível e do recurso ao transporte mecanizado das paveias
de mato e da pedra das caboucas, os fornos não coziam mais do que três a quatro
fornadas por ano, passando, posteriormente, a poder realizar mais de dez
fornadas.
A cal era comercializada à boca do
forno. Caso os compradores tardassem a pedra consumia-se, pois não existia
nenhum espaço destinado ao armazenamento. Só a partir da década de 50 é que se
edificam armazéns para guardar a cal, acondicionando-se esta em tulhas de
tijolo, com uma capacidade de cerca três toneladas. Inicialmente em galeras,
nos seirões e cangalhas dos burros e, mais tarde, nas camionetas escoava-se a
cal em pedra e em pó.
Nas feiras e nos mercados a
vendedeira da cal marcava sempre presença. No tempo da Páscoa o costume de
caiar a habitação e alguns cómodos (adega, casa das tulhas e pias, cisterna...)
antes da visita do pároco, levava a um aumento da procura e logo à subida do
preço deste produto. Este uso não tinha apenas um objectivo estético, cabendo à
cal assegurar a impermeabilização dos imóveis, assim como os resguardar dos
calores estivais. Ao matar a cal na pia acrescentava-se um fio de azeite, o que
impedia não só que a cal sujasse os fatos domingueiros, como ajudava a
conservar melhor as paredes.
A cal gorda de Pataias era procurada
para o fabrico de argamassas, estuques, cal de caiar e para uma ampla utilização
nas terras de cultura.
António Valério
Maduro
Antigo forno de cal
em Pataias
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